A publicidade de suplementos esportivos, as revistas especializadas e o clássico ambiente das academias nos fizeram crer que o atleta, seja o amador ou o profissional, tem que comer diferente do resto da humanidade. Apesar de estar bem difundida essa ideia, a verdade é que, essencialmente, se trata de um enorme erro. Sem ir muito longe, o Colégio Americano de Medicina Esportiva defende num documento de posicionamento, junto com as associações norte-americana e canadense de dietética, que "a alimentação dos esportistas não deve ser substancialmente diferente daquela recomendada para a população em geral".
Mas a realidade é o que é. E sabemos como o chamado efeito Popeye chega a ser tentador em alguns momentos. Efeito que propõe acreditar em mensagens com nenhuma ou pouquíssima evidência, que nos sugerem comer de uma forma especial – com a adição de alimentos concretos (no caso de Popeye era o arquifamoso espinafre) ou com a inclusão de suplementos maravilhosos – para obter um rendimento quase milagroso: mais força, mais volume, mais velocidade, mais resistência, melhor recuperação, menos lesões etc.
Neste artigo não se pretende dar conselhos personalizados aos praticantes de diversas modalidades esportivas que procuram na alimentação, na nutrição ou na suplementação uma espécie de pedra filosofal que os ajude a superar seus desafios pessoais. Pelo contrário: só se tenta oferecer um pouco de prudência, num terreno especialmente fértil para o equívoco científico com base em alegações milagrosas, promessas complacentes e beberagens secretas. E em especial aquelas nas quais se alude à "ciência" (sic) para lhes dar credibilidade.
Se você decidiu fazer exercício, parabéns
Manter-se ativo melhora seu prognóstico de saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que as pessoas sedentárias têm entre 20% e 30% mais chances de morrerem de forma prematura do que os indivíduos que fazem pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana. Na mesma linha, um interessante estudo publicado na prestigiosa revista The Lancet estima que o sedentarismo é a causa, em todo o mundo, de 6% das doenças coronárias, 7% dos casos de diabetes tipo 2, 10% dos cânceres de mama e outros 10% dos cânceres de cólon.
A falta de atividade física estaria por trás de 5,3 milhões de mortes no panorama mundial, o que representa quase 10% dos óbitos do ano de 2008, por exemplo. Com esses resultados, o artigo sustenta que se mexer serviria não só para diminuir a incidência de várias doenças não contagiosas como as já apontadas, mas também para aumentar de forma global a expectativa de vida em 0,68 ano. Assim, de saída, se você deixa a categoria dos sedentários e opta por manter um estilo de vida mais ativo já merece um aplauso.
É possível que nestas circunstâncias você também tenha se perguntado sobre o papel da alimentação na sua saúde, no seu rendimento e na hora de cumprir metas esportivas. E faz bem. Pelo lado da saúde, é provável que esses parabéns por fazer exercício sejam duplos: está bastante provado que pessoas que fazem exercícios, em geral, costumam comer melhor que a população sedentária. Um virtuoso peixe que morde o próprio rabo, retroalimentando os bons hábitos.
Passemos ao rendimento, sobre o qual também é consenso que a dieta desempenha um papel crucial. Importante, mas não único: esse rendimento será afetado por múltiplos elementos – pessoais (genéticos), relativos ao treinamento, socioeconômicos e ambientais – tão ou mais importantes que a alimentação isolada. Apesar disso, o universo esportivo acolhe com enorme interesse mensagens que, sem maior suporte científico, mas sim com um importante investimento em marketing, pretendem nos vender terrenos na Lua (ou seria, neste caso, nas academias de ginástica?) e nos fazer acreditar mil maravilhas sobre os benefícios de comer de um jeito mais ou menos extravagante, ou incluir este ou aquele suplemento.
Desmascarando o discurso esportivo-nutricional
O dietista-nutricionista Julio Basulto, um dos profissionais mais reconhecidos da Espanha nesse terreno – e autor, com Juanjo Cáceres, do recomendável livro Comer y Correr – deixa bem claro: "A primeira coisa que chama a atenção no lindo mundo da alimentação e dos complementos dietéticos ligados ao mundo esportivo é que se trata de uma questão atrozmente complexa. Tudo precisa estar embebido de algo bioquímico, imunológico, insulínico, glicogênico, fitoquímico, polifenólico, neurológico, proteínico, aminoacídico, enzimático, hidrolítico, metabólico, catabólico, anabólico... e hiperbólico". Ou seja, neste terreno é habitual o uso uma série de termos que, bem empregados, são habituais no mundo acadêmico das ciências da saúde, mas que se transformam em moeda de uso corrente no jargão cientificista de monitores de academia e outros arrivistas da venda suplementadora.
É impossível abordar num artigo destas características todos os conceitos alto astral que rodeiam o mundo da nutrição esportiva; mas esmiuçaremos alguns dos mais recorrentes.
• A janela anabólica: este conceito propõe a importância de incluir determinados nutrientes – especialmente proteínas e carboidratos – em estreitas "janelas temporais" antes, durante e principalmente depois do exercício, afim de propiciar a reconstrução da malha muscular prejudicada e restaurar as reservas energéticas. Seria uma estratégia que uniria nutrição e treinamento de modo indivisível, tudo isso para ajudar a melhorar tanto a composição corporal como o rendimento esportivo e para reduzir o tempo de recuperação. Seus seguidores são contados aos milhares, especialmente entre aqueles que dedicam boa parte dos seus treinamentos a levantar pesos. Para isso, legiões do homo croassanis costumam se fazer acompanhar em suas rotinas de astronáuticas garrafinhas (shakers, no seu jargão). Isso, ou saem disparados de casa depois do treino para devorar uma calculada combinação de claras de ovo e arroz, antes que a tal "janela" termine, fazendo-os praticamente jogar no lixo a sessão de ginástica.
Entretanto, apesar da sua extensa popularização nas duas últimas décadas e de haver dezenas de estudos destacando as virtudes da "janela anabólica", o fato é que seus supostos benefícios não estão totalmente claros. Aliás, nem mesmo a sua existência está clara. "Se destilarmos todos os dados da literatura científica a respeito da suposta 'janela metabólica', fica difícil estabelecer recomendações específicas, devido à inconsistência dos resultados e a escassez de pesquisas sistemáticas que busquem otimizar a dose de proteínas antes e depois do exercício", diz um contundente estudo de revisão sobre o tema. "Assim, os supostos benefícios de confiar numa suposta 'janela anabólica', além de se basearem em diversas suposições e dependerem de muitos outros fatores nem sempre controláveis, estão muito longe de serem uma realidade." Na verdade, um recente ensaio renega, com todas as letras, esse conceito: "Nossas conclusões refutam a existência de uma estreita janela posterior ao exercício anabólico com o objetivo de maximizar a resposta muscular; em seu lugar, apoia-se a teoria de que o intervalo para a ingestão de proteínas pode ser tão amplo como várias horas, ou talvez mais depois do treino com base na refeição anterior ao treinamento."
• Aminoácidos de cadeia ramificada: bastante relacionado ao item anterior – eles são uma espécie de denominador comum no uso da famosa janela –, refere-se a uma classe de aminoácidos essenciais com um radical alifático, entre os quais se destacam a leucina, a isoleucina e a valina. Explicado de forma muito breve e gráfica, os aminoácidos em geral seriam as contas que formam os colares de proteínas. Aos ramificados, além disso, se atribui com bastante fundamento a regulação da síntese e degradação das proteínas. Ao mesmo tempo, podem ser utilizados na hora de contribuir com energia por via anaeróbica.
Mas a utilidade de suplementos à base de aminoácidos de cadeia ramificada, ou de qualquer outro tipo de aminoácidos ou proteínas, está, para dizer de forma sutil, em dúvida. Pelo menos quando se compara essa suplementação com a inclusão de tais proteínas na forma de alimentos da dieta habitual. E o que diz esse recente estudo de revisão quando conclui que a ingestão total diária de proteínas tem mais peso no efeito em longo prazo que o momento da administração (a tal "janela") ou a qualidade dessas proteínas. Embora admita uma possível e importante variabilidade interpessoal nessas estratégias, a informação já nos deveria deixar no mínimo desconfiados perante qualquer discurso totalizador e generalista sobre os benefícios desse tipo de suplementos. Por esta razão, o manual Nutrição e Dietética Clínica aconselha, na medida do possível, cobrir nossas necessidades proteicas a partir de uma dieta adequada quando se faz exercício. É algo relativamente simples, levando em conta que em nossas sociedades tendemos a incluir em nossa dieta uma quantidade de proteínas bastante acima das recomendações. Então não se esqueça: carne, ovos, peixe e muitos outros alimentos contêm muitas proteínas – com suficientes aminoácidos de cadeia ramificada, os quais bem distribuídos bastam por si só para otimizar o efeito de seu treinamento. Sem pirar, sem pozinhos, mais barato e com comida de verdade.
• Bebidas de reposição: chegamos a uma questão sensivelmente diferente das anteriores, já que está mais do que provado que os fatores que mais contribuem para o surgimento da fadiga durante o exercício e para o atraso na recuperação são a diminuição dos carboidratos armazenados em forma de glicogênio no organismo e a aparição de certa desidratação resultante da perda de água e eletrólitos através do suor. Mas tampouco neste campo é necessário cair na complacência cientificista para fazer as coisas direito. Segundo o Documento de Consenso da Federação Espanhola de Medicina do Esporte Sobre Bebidas para o Esportista – Composição e Pautas de Reposição de Líquidos, "em geral uma dieta equilibrada e uma hidratação correta são a base para cobrir as exigências nutricionais na maioria das pessoas que fazem esporte". O texto faz uma especial ressalva quanto às diversas condições ambientais, pessoais e de cada modalidade esportiva que condicionarão essas necessidades particulares. Assim, toda bebida de reposição deveria cumprir três objetivos elementares: 1º) Fornecer carboidratos que mantenham uma concentração adequada de glicose no sangue e adiem o esgotamento dos depósitos de glicogênio (em competições ou treinos que se prolonguem durante um tempo significativo); 2º) repor os eletrólitos, sobretudo o sódio; e 3º) a reposição hídrica para evitar a desidratação.
Entretanto, no universo atlético, seja amador ou profissional, abundam as charlatanices repositoras que prometem recuperações pseudomilagrosas, com nomes tão sugestivos como hydrofuel, go-fuel, topfuele vários outros no qual o tema "fuel" (combustível, em inglês) é um suspeito habitual.
A descontextualização máxima nesse terreno se dá no caso da cerveja, em especial com a recente comercialização de uma suposta variedade isotônica. Mas não, a cerveja não é uma bebida de reposição. Nem mesmo a dita isotônica. Destacamos o tema porque este produto levou a Sociedade Espanhola de Medicina do Esporte (SEMED) e o Conselho Geral de Colégios Oficiais de Médicos (OMC) da Espanha a cerrar fileiras diante desse despropósito. Por isso, ambas as entidades firmaram um documento conjunto detonando a suposta cerveja isotônica e, já que haviam tocado no assunto, refutando a tese de que a cerveja seria uma bebida de reposição e alertando para a situação de vulnerabilidade dos esportistas nessas questões. Disseram o seguinte: "Na Espanha, o coletivo dos esportistas amadores [...] em grande medida carece de informação adequada sobre aspectos nutricionais, como a hidratação no esporte. A cerveja que se apresenta como bebida para esportistas não cumpre os critérios e as garantias necessários para ser recomendada nem no esporte nem na atividade física".
Destacaram ainda que, "a cerveja [seja qual for] constitui uma forma de entrada ao consumo de álcool dos mais jovens, e inclusive crianças. Por isso, a adaptação precoce da criança ou do adolescente que pratica esporte ao sabor da cerveja, usando como estímulo e referência ídolos esportivos, é, sob qualquer ponto de vista, repreensível para a OMC e a SEMED e constitui um novo exemplo de publicidade com clara intenção subliminar contrária à promoção da saúde".
• Colágeno: deixando no tinteiro dezenas de suplementos (equinácea, glutamina, selênio, espirulina, ginseng, picolinato de cromo, hidroximetilbutirato, várias vitaminas e outros compostos de nome ainda mais exótico e impronunciável), não resisto comentar a jogada de um dos compostos com maior apelo comercial nos últimos anos. Estou me referindo aos suplementos de colágeno, em suas várias formas ou combinado com outras substâncias (a mais clássica, o magnésio). O colágeno é uma proteína e, como tal, uma vez ingerida com os alimentos, ou suplementos, é dividida em suas partes constituintes — os aminoácidos — para que estes, e não a proteína, sejam absorvidos um por um na maioria dos casos.
Supor que esses tijolos tenham memória e se lembrem que já fizeram parte de uma estrutura superior, uma proteína chamada colágeno, é como tentar fornecer veículos a uma tribo indígena jogando todas as partes de um avião e esperar que caiam montados. Os aminoácidos constituintes do colágeno são a glicina e a prolina, nenhum é essencial, e podem ser obtidos tanto a partir da síntese endógena como em outras fontes alimentares proteicas. Assim, se alguém apresenta uma clara deficiência de colágeno (devido ao estado de suas articulações ou pela aparência da pele), terá de considerar por que esse colágeno necessário não é produzido por seus fibroblastos — na maior parte das vezes, ocorre por problemas genéticos, de idade e fatores ambientais, como o tabagismo —, ao invés de ingerir suplementos desnecessários, que sempre são caríssimos independentemente do preço.
Use o bom senso
É imprescindível terminar o artigo tal e qual começou, fazendo um chamado à racionalidade. E é algo que se faz para o bem geral, para que ninguém gaste um dinheiro absurdo com tantas bobeiras, para que ninguém seja enganado e, portanto, para lembrar que a alimentação dos atletas não deve ser substancialmente diferente da recomendada para a população em geral. Considere que a prática de certos rituais associados com maior ou menor evidência ao desempenho esportivo (isso é o de menos) poderá levar a uma fidelização com uma certa rotina de treinamento, mas isso não se traduz em resultados reais. Resumindo: vestir um macacão de Fórmula 1 e capacete pode incentivá-lo a se sentir mais poderoso dentro de um carro, mas não fará você dirigir melhor. Isso é certo. Porque, com isso tudo, dá na mesma.
Finalmente, e no campo estritamente dos suplementos e das ajudas ergogênicas, é conveniente lembrar das duas regras básicas do Professor Ronald Maughan, membro condecorado do American College of Sports Medicine, entre muitos outros méritos, um profissional reconhecido neste campo que dedicou grande parte de sua vida ao tema do desempenho esportivo, do uso de suplementos e à luta contra o doping: "1ª Regra: Se o suplemento funciona, provavelmente está proibido; 2ª Regra: Se o suplemento não é proibido, provavelmente não vai funcionar".
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